A invenção do vidro

Os povos que disputam a primazia da invenção do vidro são os fenícios e os egípcios

Por: Mauro AkermanEscola do Vidro


Os fenícios contam que, ao voltarem à pátria, do Egito, pararam em Sidom. Chegados às
margens do rio Belus, pousaram os sacos que traziam às costas, que estavam cheios de
trona. A trona é carbonato de sódio natural, que eles usavam para tingir lã. Acenderam o
fogo com lenha, e empregaram os pedaços mais grossos de trona para neles apoiar os
vasos onde deveriam cozer os animais caçados. Depois comeram e deitaram-se;
adormeceram e deixaram o fogo aceso. Quando despertaram, ao amanhecer, em lugar das
pedras de trona encontraram blocos brilhantes e transparentes, que pareciam enormes
pedras preciosas.

Os fenícios caíram de joelhos, acreditando que, durante a noite, algum gênio desconhecido
realizara aquele milagre, mas o sábio Zelu, chefe da caravana, percebeu que, sob os
blocos de trona também a areia desaparecera. Os fogos foram então reacesos e, durante a
tarde, uma esteira de líquido rubro e fumegante escorreu das cinzas. Antes que a areia
incandescente se solidificasse, Zelu tocou, com uma faca, aquele líquido e lhe conferiu
uma forma que embora aleatória era maravilhosa, arrancando gritos de espanto dos
mercadores fenícios. O vidro estava descoberto.

Esta é a versão, um tanto lendária, que nos transmitiram as narrativas de Plínio, um
historiador latino que viveu de 23 a 79 d.C.. Mas, notícias mais verossímeis sobre o
conhecimento do vidro remontam ao ano 4000 a.C., após descobertas feitas em túmulos
daquela época.

A evolução da industria do vidro é marcada por fatos que, embora analisados sob os
conhecimentos de hoje pareçam simples, são na verdade repletos de criatividade e
inventividade.

Até 1500 a.C., o vidro tinha pouca utilidade prática e era empregado principalmente como
adorno. A partir desta época no Egito iniciou-se a produção de recipientes da seguinte
maneira: a partir do vidro fundido faziam-se filetes que eram enrolados em forma de espiral
em moldes de argila. Quando o vidro se esfriava tirava-se a argila do interior e se obtinha
um frasco, que pela dificuldade de obtenção era somente acessível aos muito ricos.

Por volta de 300 a.C., uma grande descoberta revolucionou o vidro: o sopro, que consiste
em colher uma pequena porção do material em fusão com a ponta de um tubo (o vidro
fundido é viscoso como o mel) e soprar pela outra extremidade, de maneira a se produzir
uma bolha no interior da massa que passará a ser a parte interna do embalagem. A partir
daí ficou mais fácil a obtenção de frascos e recipientes em geral. E para termos noção da
importância desta descoberta, basta dizer que ainda hoje, mais de 2000 anos depois, se
utiliza o princípio do sopro para moldar embalagens mesmo nos mais modernos
equipamentos.

Também a partir de gotas, colhidas na ponta de tubos e sopradas, passou-se a produzir
vidro plano. Depois que a bolha estava grande se cortava o fundo deixando a parte que
estava presa no tubo e com a rotação deste se produzia um disco de vidro plano, que era
utilizado para fazer vidraças e vitrais.

Durante a idade média, os vitrais eram muito utilizados nas catedrais para contar as
histórias pois, naquela época pouca gente sabia ler.

Por volta do ano de 1200 da nossa era, os vidreiros foram confinados na ilha de Murano ao
lado de Veneza na Itália, para que não se espalhassem os conhecimentos vidreiros que
eram passados de pai para filho. Lá uma nova descoberta: a produção de um vidro muito
claro e transparente que foi denominado de “cristallo” por ter a transparência de umcristal. Ainda hoje se chamam “cristais” os vidros mais finos de mesa.

A partir deste vidro claro e límpido puderam ser criadas lentes e com elas serem
inventados os binóculos(1590) e os telescópios(1611), com os quais pode-se começar a
desvendar os segredos do universo. Também nesta época, graças a produção dos
recipientes especiais e termômetros de laboratório, houve um grande desenvolvimento da
Química.

Em 1665, durante o reinado de Luís XIV, foi fundada na França a companhia que viria a ser
a Saint Gobain, com a finalidade de produzir vidros para espelhos, evitando assim a
dependência sobre Veneza. No início foi utilizada a tecnologia veneziana de sopro, mas a
partir de 1685, através de um método novo, que consistia na deposição da massa líquida
de vidro sobre uma grande mesa metálica sendo passado por cima um rolo, da mesma
maneira como se faz massa de pastel. O vidro assim obtido devia ser polido para a
produção de espelhos pois, suas superfícies eram muito irregulares.

No século passado, devido a demanda de novos vidros no campo da ótica muitos
desenvolvimentos foram realizados nesta área principalmente pelos alemães. Com as
guerras mundiais sendo os alemães inimigos, isto obrigou o desenvolvimento da tecnologia
de vidros empregados em ótica e sinalização pelos países aliados.

Em 1880, se inicia a produção mecânica de garrafas e em 1900, tem início a produção de
vidro plano contínuo, através de estiramento da folha na vertical e em 1952, é inventado o
processo float, utilizado até hoje, em que o vidro fundido é escorrido sobre um banho de
estanho líquido e sobre ele se solidifica.

Muitas outras aplicações surgiram para o vidro: as fibras que tanto servem para isolamento
térmico e acústico, como para reforço de outros materiais. As fibras óticas que substituem
com enormes vantagens os tradicionais cabos de cobre e alumínio utilizados em
comunicações, lâmpadas, isoladores, etc..

Apesar de todos estes avanços, ainda hoje é forte o apelo artístico do vidro e em Murano
continua a tradição da produção de vidros manuais, decorativos e utilitários, nas mais
diversas cores, apreciados em todo mundo. A Saint Gobain mantém uma fábrica na França
que produz vidros em infinitas cores, de forma manual, como há muitos séculos, para a
produção de vitrais. Aqui no Brasil a nossa “Murano” é Poços de Caldas em Minas Gerais,
onde se concentram diversos artistas vidreiros.

Escola do Vidro - Mauro Akerman